HOJE NO DIVÃ... Vítor Hugo Moreira | Escritor, Fotógrafo, Dinamizador de Eventos e Projetos Artísticos


VÍTOR HUGO MOREIRA | Vítor Hugo Moreira nasce na freguesia de Recarei, concelho de Paredes, a 6 de Dezembro de 1983, sendo o terceiro de 5 filhos. Desde cedo integra grupos comunitários de jovens, alguns ligados à cultura e outros à igreja.

Forma-se em animação sociocultural, depois de passar um ano por um período de reflexão interna em seminário, em Coimbra. 

Dedica-se há poesia à alguns anos, tanto no campo da escrita, como performance e organização de noites de poesia na cidade do Porto. Fez parte do programa de rádio Vadiação Poética da rádio Manobras, e foi organizador, durante três anos, do Poetry Slam.

É autor de seis livros de poesia em edição de autor. Em 2012 edita o seu primeiro livro 'Devaneios', a que se seguem, 'Histórias Crônicas e Alucinações', em 2013; 'Deliri(c)o', em 2014; 'Vírgula', em 2016; 'Degrau', em 2017 e 'Resfeber', em 2018.

Co-criou projectos de performance poética com Carlos P. Semedo, Carlos da Aira, Jorge Castro, Cintya Flores, Diogo Costa Leal, Delphine Armand, Silvain Terech, João Canedo, Luís Beirão, entre outros, em diferentes moldes artísticos.

Está ainda ligado ao teatro, e há quatro anos, semanalmente, dinamiza a noite de poesia na Casa Bô, na rua do Bonfim, no Porto. Em mãos, tem ainda o projecto escolar 'Entre Linhas', assente na desconstrução poética e na proposta de uma forma diferente de ver e ler a poesia. Faz parcerias interculturais com a Galiza, nomeadamente artistas de Vigo, Pontevedra e Santiago de Compostela, onde foi convidado - juntamente com Raquel Lima - para participar no primeiro Poetry Slam de Santiago de Compostela (inserido no Festival Respira).

NO DIVÃ...


1. Vítor, de que forma faz a Arte parte da sua vida?

Desde cedo que a envolvência em grupos de jovens e o que se fazia nas actividades que me foi catalisando o gosto pelas artes. Desde novo me senti atraído pelo teatro e pela música e pelos campos de experimentação artística. Mas só por volta dos 18 ou 20 anos é que tive mesmo um grande apaixonamento pelas artes, especialmente pelo teatro, aquando do percurso académico (animação sóciocultural) e tive a cadeira de expressão dramática e tive três professores de teatro que muito me influenciaram. A partir desse momento fui-me envolvendo entre parcerias e trabalhos de autoria própria. A vida em si, já é uma grande arte e saber viver é um acto de arte. Em tudo o que nos predispomos a fazer e a criar, a forma como nos relacionamos, como nos experimentamos. Tenho uma velha máxima em que digo que somos constantes artistas no todo que fazemos. Mesmo um carpinteiro, construtor civil ou um padre ou a empregada de limpeza. A arte eleva-nos, ajuda-nos a crescer, a libertar-nos, a sermos honestos, não com uma personagem, mas connosco mesmos. Ao mesmo tempo, faz-nos ter um olhar ou um ouvido mais profundo, mais atento, buscando sensações, cheiros e situações de aprendizagem. Educar uma criança é uma forma de arte, a arte de ama, aprender a amar, ou até mesmo a chorar. A arte é um músculo que nos invoca os três tempos, passado, presente e futuro.

2. Vítor, o que é que gostaria de fazer mas o medo não lhe permite?

Com o crescimento pessoal e interno que se vai fazendo ao longo da vida, os medos se vão dissipando.  Não considero que fui ou que seja uma pessoa der tido grandes medos, mas sim coragem e vontade para fazer determinadas coisas. Ter a capacidade de fazer algo, de me dignificar a atravessar a rua e tomar decisões em prol de mim e dos outros. Não sou adepto da frase que o medo é para os fracos, porque todos somos fracos. Temos é de ter a coragem de tomar decisões mesmo estas podendo ser más decisões, mas sem as tomar nunca saberemos se são boas ou más. Terminar uma relação, mudar de trabalho, sair do nosso campo de conforto, deixar velhos hábitos...

3. Vítor, descreva uma das suas principais inspirações na vida.

Ao longo da nossa vida vamos tendo pessoas e acontecimentos que nos marcam profundamente, pelo bem e pelo mal... mas o meu avô materno e a minha avó paterna foram dois seres que ensinaram muito. E não são fontes de inspiração, mas sim de transpiração. Por todos os ensinamentos lúcidos que me passaram, por toda a simplicidade, por toda a rudeza das mãos calejadas de uma vida, por todos os silêncios. Claro que depois houve e há amigos que nos iluminam no nosso trajecto, mesmo aqueles que vivem há distância são sempre fontes e frutos de inspiração. Vivi com dois amigos que me elevaram para um patamar imenso no meu percurso artístico, onde me fui obrigando, não na palavra literal de obrigação, mas de crescimento, a explorar-me.

4. Vítor, que obra de arte escolheria para se representar a si mesmo? Por quê?

Não sei, de tantas obras que já li, há sempre os três autores que fazem parte da minha biblioteca interna. O Louco de Kahlil Gibran por toda a forma de nos elucidar de todos os pilares humanos, desde a questão da família, a questão maternal ou paternal, o amor, a loucura, a justiça, e o medo. Depois Alberto Caeiro, e sim Alberto Caeiro e não Fernando Pessoa (apesar de ter um fascínio pela obra do Pessoa) é sempre Caeiro o homem terreno e prismal da nossa conjuntura humana, o atravessar das ruas por dentro da janela e admirar tudo com uma clareza de morte. E por fim, o inevitável Antoine Saint-Exupéry e o Principezinho, uma água benta na literatura e de paz interna em cada palavra que nos acolhe e nos faz sentir tão grandes homens e pequenas crianças.



5. Vítor, que experiência de vida recorda com maior gratidão?

Pode parecer absurdo na forma  como irei responder, mas perder a visão parcial foi algo que me marcou profundamente. Primeiro faz-me parecer (e não sentir) o Camões, um dos grande ícones da poesia e literatura portuguesa, mas a forma como tive que lidar com os percursos de vida e o ser. Depois há as viagens que fui fazendo com o meu pai pelo país durante a minha infância. No campo artístico, há o projecto 'Artes na Janela', criado há cerca de oito anos atrás, na Vila de Recarei em Paredes, um projecto que foi pensado e delineado durante dois anos e esteve quase para não se realizar, mas que acabou por acontecer com muito esforço da minha parte e de todos os intervenientes, principalmente dos artistas, que deram o corpo e a sua arte durante dois meses e meio e sem qualquer tipo de financiamento.   A perseverança e a crença no nosso trabalho sempre nos ajuda a ir mais além.

6. Vítor, o que significa para si a intimidade?

A resposta a essa pergunta fica na minha intimidade [risos]. É engraçado como existem palavras que usamos como alguma frequência e depois somos questionados sobre e ela e ficamos algo presos a tentar encontrar uma explicação para ela. Pensamos pouco no real significado delas. Mas talvez a a intimidade seja como a liberdade, uma vez invadida deixa de acontecer ou de o ser. A intimidade é algo que é só nosso, do nosso interior, do nosso âmago, que faz parte só de nós e por uma ou outra razão não a queremos partilhar. Chorar sozinho pode ser uma questão de querermos chorar connosco mesmos. E isso não é mau. Assim como o rir. A masturbação é um acto de intimidade connosco, conhecermo-nos. E depois há os momentos em que nos partilhamos intimamente com os outros, com os amigos, com a família. Um simples abraço pode ser algo intimo como algo social. Depende da forma como o damos. Se só encostamos os braços e dizemos olá, ou se encontramos os braços e ficamos em silêncio num abraço fraternal. Este último acontecimento é algo íntimo, invadimos a casa corpo do outro. E é tão bom [risos].

7. Vítor, o que é que o faz chorar?

A inocência das minhas filhas. Seja quando elas se magoam ou quando os olhos delas brilham porque descobriram algo novo. Adolfo Luxúria Canibal tem um texto em que acaba a dizer: Como é bom o tempo que passa, e é nesse caminho que olho as observações inocentes das crianças, que percorrem todo o lado interno de nós mesmos". Faz falta ser criança a muitos adultos.

8. Vítor, qual a sua maior realização pessoal até à data?

Felizmente tive a sorte de fazer coisas que muito me ajudaram a crescer pessoal e profissionalmente. Colaborar com pessoas lindas. Mas talvez aos 18 anos decidir mudar o rumo de vida que a maioria dos adolescentes tomam (acabar o secundário, ir para a faculdade...) e eu optei por ir para o seminário, fazer uma paragem na minha vida, fazer uma espécie de retiro para discernimento e auto-conhecimento. Claro que ao fim de um ano os padres me convidarem a ir embora, mas foi das melhores decisões que tomei, e que muito me transformou e me ajudou a crescer sendo mais humano e com mais confiança e força.

9. Vítor, como seria uma versão mais perfeita de si próprio?

Mais perfeita? Não o sei, agora imperfeita seria mais fácil de explicar [risos]. Não há versões perfeitas ou imperfeitas. Não procuro perfeição em nada. Procuro sim o prazer de realizar e de viver em tudo o que faço, seja nas artes, seja no meu trabalho. Ser um espelho de dentro para fora aos olhos dos outros.

10. Vítor, complete a frase: «Tudo seria diferente se…»

Não houvesse tanta coisa informatizada e ainda mantivéssemos algumas características da nossa juventude. Saltar nas poças de água, correr atrás das pombas, enviar cartas pelo correio...

11. Vítor, que obra de Arte mais influenciou a sua vida? De que forma?

'Comboio da Madrugada'
Não sei se pode ser considerado como obra de arte, mas a peça de teatro Comboio da Madrugada de Tennessee Williams, com Eunice Muñoz e Pedro Caeiro, dois dos artistas portugueses que mais aprecio e é uma peça tão humana, tão cheia de amor e dor que nos prende a respiração e nos faz chorar internamente, olhar para nós mesmos e querer arrancar pedaços de nós para por no outro. Tive o prazer de assistir a esta peça no Porto por milagre já que consegui comprar o último bilhete disponível.

12. Vítor, como gostaria de ser recordado?

Como aquele tipo que se predispunha a fazer acontecer, sem receios e com perseverança. Que improvisava a vida como se fosse nascer de novo a cada manhã.

A sessão termina por hoje. 
Muito obrigado pelas suas partilhas, Vítor.

Para mais informações sobre o autor e suas obras, por favor consulte:

@vitor.moreir 
@alemobjectiva [para a página 'Além da Objectiva/o']


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