Postagens

Mostrando postagens de novembro, 2018

HOJE NO DIVÃ... Estela Cosme | Investigadora e Blogger [Edição de Novembro]

Imagem
ESTELA COSME | Nasceu em Caracas, Venezuela em 1993 e desde cedo demonstrou interesse pelas línguas, sobretudo o Inglês. Mudou-se para Braga aos nove anos, onde seguiu o seu interesse pelas Humanidades. Licenciou-se pela Universidade do Minho em Línguas e Literaturas Europeias na variante de Inglês e Espanhol, focando-se nas literaturas e culturas. Continuou os seus estudos no Mestrado de Língua, Literatura e Cultura Inglesas, desta vez concentrando-se nos estudos do teatro da língua anglófona, nomeadamente no teatro musical.  Desde há larga data lhe surgiu o interesse pelo género teatral, cativada sobretudo pelo facto de ser uma forma incrivelmente versátil não só de teatro mas de storytelling . Dado a rica história do teatro musical, questionava-se como ela se inseria nos movimentos culturais de cada época e de como contribuía para eles. A sua tese de investigação, " Putting it Together : Postmodernism and the Musics of Stephen Sondheim", trata de identificar a pr

SONHAR COM LADRÕES por Carlos Marinho | Capítulo/Tela 15 - "O BATÔN DE MEDUSA"

Imagem
SONHAR COM LADRÕES por Carlos Marinho Capítulo/Tela 15  – "O BATÔN DE MEDUSA" | Ajeitando ociosamente as melenas da cabeleira, Laura senta entranhando vestígios de veloutine na brancura do escultórico pescoço de diva, enquanto as inchadas curvas de mulher plena lhe entufam a crisálida de um vestido charmeuse de seda verde-água-do-Nilo. Do lado oposto, o psicólogo sorri. Saindo a tímidas espumas desse impreciso recesso límbico, onde aos apuros da sua dúvida de ser foi somando o heróico esforço das mais inanes esperanças, veio vivípora e trintagenária, salgada até ao osso por batismos oceânicos, recolhendo devagarinho ao porto recôncavo das minhas mãos de zeloso parteiro , devolve-lhe ele no seu eterno sorriso satírico, e ao galho, de palhinha em palha, por sua cabeça aqui fez ninho, para então se virar do avesso e se parir novamente, renovadamente, às suas próprias custas. À hora certa , entestando-nos gémeos, fez-se meu corpo água, para que nele pus

SONHAR COM LADRÕES por Carlos Marinho | Capítulo/Tela 14 - "DO DESEJO"

Imagem
SONHAR COM LADRÕES por Carlos Marinho Capítulo/Tela 14  – "DO DESEJO" | Ali fica, grave e tenso, sedentariamente esbarrigado na poltrona: um homem de silêncio mineralizado, olhos espipados para o televisor, numa dilatação fixa de expectativa, sem vírgula alguma que lhe separe a excitante virtualidade e a aurea mediocritas doméstica, movendo apenas o pescoço, agora constrito pela engomada brancura dos colarinhos Hilfiger, quando e sempre que um dos carros de corrida aperta a ceiture das pistas. Nos seus braços, Laura sente-se menos mulher do que um problema a ser solucionado: já lhe não solicita amor sem sentir nesse pedido uma intrusão na sua agenda nobiliárquica de ser inflacionado. A vida é, para si, esta merecida poltrona confortável, à sombra de vetustos retratos sem graça, sem barulho e sem polémica, deliciosamente represo pela gravidade das ordenações matrimoniais. Ele tema coroa da lei dos homens. Mas Laura está a transpor a linha invisível que a

SONHAR COM LADRÕES por Carlos Marinho | Capítulo/Tela 13 - "À PROCURA DE ÁGUA"

Imagem
SONHAR COM LADRÕES por Carlos Marinho Capítulo/Tela 13  – "À PROCURA DE ÁGUA" | De chofre. Acorda. A aldraba de latão polido ribomba contra o plaino da placa do batente. Pronto para a última prova, o vestido verde-água-do-Nilo vem embrulhado debaixo do braço da modista, junto à bolsa de seda, contendo uma fita métrica, uma almofada de alfinetes e um par de tesouras. O que acha? Laura afasta-se três passos do miroir sur pied para melhor apreciar o impacto do modelo Lavanelli, e depressa se lhe aflora à comissura dos lábios um sorriso de agrado narcísico. Sublime – simplesmente sublime . Assim que a costureira sai, deixa-se cair no tamborete que entesta o espelho églomisé da vanity , traça duas pinceladas de sombra peach pela superfície convexa das pálpebras e uma de batôn Rouge Royale pela grossura da boca. A súbitas ocorrem-lhe as palavras do psicólogo: Aqui sentará, tomando nas mãos a navalha que lhe dessangrará o veneno da vergonha, até q

SONHAR COM LADRÕES por Carlos Marinho | Capítulo/Tela 12 - "O VESTIDO VERDE-ÁGUA-DO-NILO"

Imagem
SONHAR COM LADRÕES por Carlos Marinho Capítulo/Tela 12  – "O VESTIDO VERDE-ÁGUA-DO-NILO" | O brusco despertar humedece-lhe os olhos ainda piscos de sono. Do interstício das pestanas, limpa resquícios do último sonho com a Vénus. Agora que desperta para o costumeiro taedium vitae , tudo é novamente cinza, tudo são os desertos da sua insuficiente solidão. Exploradora de esperanças, inventariante de fracassos, à cata expectante de um ou outro oásis, Laura calça aos pés as chinelas de ourelo azul, e arrasta-se pelas geografias infiniforme da casa, abrindo persianas, indo do nada ao nada, obsceno mapa de despojos, arejando as ausências da permanente indisponibilidade do marido, tudo limpando, tudo aspirando, tudo brunindo, tudo ordenando, demorando melancolias sobre a secreta fratura da Vénus-cascavel. Não, Laura não tem por hábito brincar aos Narcisos, mas algo a une, algo a sobrepõe – coincidente – a esta figura: a mesma mordedura de sujeição, a dor do m

SONHAR COM LADRÕES por Carlos Marinho | Capítulo/Tela 11 - "UM FIO DE SANGUE"

Imagem
SONHAR COM LADRÕES por Carlos Marinho Capítulo/Tela 11  – "UM FIO DE SANGUE" | Acorde, Laura – acorde. O som áspero de fósforo raspado em lixa. O arrepio rápido do atear da chama. Um aroma crescentemente xaroposo a nozes e a ameixas. Laura remexe-se perturbada: vem a si em dores fortes, bruscamente, sentindo-se deitada de costas contra a rijeza horizontal de um colchão de molas de aço – e, no entanto, por entre a fímbria fina das pestanas glutinosas, percebe pelo pano persa que recama os muros do cómodo, pela ampla consola em Carraro da lareira, pela perfumaria Atkinson no toucador em mogno, e pelo candeeiro de braços que aquele quarto não lhe pertence; nisto, uma sensação de inevitável ameaça vem constranger-lhe a caixa torácica. Olha em volta. Não está só. A vista amplia-se-lhe quando um fluxo adrenalinogénico lhe acorre ao coração por ver que ali pára, subida ao zénite de toda a fémina flamejância Rouge-Royale dos lábios carnudos – superior, herói

SONHAR COM LADRÕES por Carlos Marinho | Capítulo/Tela 10 - "HERA, AO LONGE"

Imagem
SONHAR COM LADRÕES por Carlos Marinho Capítulo/Tela 10  – "HERA, AO LONGE" | De novo em sonhos, a comando do homem de Trichnopoly à boca, sai-lhe a cabeça em arco das águas de Mármara, respingando da cabeleira encharcada profundas manchas violentas de um azul-VanGogh. Soluça ainda, hiperventilando, as mãos ao peito aflito, procurando apaziguar-se, agarrada ao debrum de um bote flutuante, expelindo dos pulmões as agrestes salinidades do denizi . Em traje marujo, jaqueta azul e branca, boina descaída sobre as frontes, mas conservando ao pulso o relógio dos ponteiros sinistrorsos, o timoneiro rema-a calmo, para a distância, baforando o habitual borrão de fumo fragrante, até ao corpo lhe regressar a desejada bonança. Quem tão ferozmente a criticou? pergunta o psicólogo com o mesmo estranho sorriso de parodiador da morte. Quem a terá ignorado em momentos importantes ? Quem a terá magoado tanto para assim acolher esta vergonha de si mesma, este sentimento

SONHAR COM LADRÕES por Carlos Marinho | Capítulo/Tela 9 - "TODA A RAIVA DO MUNDO"

Imagem
SONHAR COM LADRÕES por Carlos Marinho Capítulo/Tela 9  – "TODA A RAIVA DO MUNDO" | Coruscante e concentrado, fixa-se-lhe o olhar na chama azul-amileno do fogão em exercício. Entre dedos, um cutelo grosso em ânsias de assassínio. Só aos poucos se permite acordar da abstração, sem conseguir precisar durante quanto tempo ali ficara ardendo a fogo lento, toda ela carne-viva, desejando decepar a messalina do pátio em Istambul. [Sobre a tábua de freixo, acaba de entremear o cor-de-rosa granuloso das fatias de um farto presunto curado na macieza láctea que o fio esventrara em diagonal à carne das trutas]. Poisa então os cotovelos na mesa e deita-se pela frescura do mármore amarelo num desmaio de trotamundos exangue. Folheia a revista aberta sobre o tampo, detém-se uma vez mais na página dos horóscopos: o minério das estrelas conhece-lhe a antiquíssima coleção circunstancial de falsas epifanias, conhece-lhe a travessia interrompia da mão curiosa no justo limbo da ab

SONHAR COM LADRÕES por Carlos Marinho | Capítulo/Tela 8 - "UM RENDEZ-VOUS DE SONHO"

Imagem
SONHAR COM LADRÕES por Carlos Marinho Capítulo/Tela 8  – "UM RENDEZ-VOUS DE SONHO" | Noite escura: Laura atenta, tudo escuta. Zune o vente, range a escada, e ele volta: discreto, secretista, com a tenuidade do ladrão astuto, ponderadamente calculado para se lhe não acusar presença. Levanta a onda fria dos lençóis, reintroduz-se cama adentro, ocupando a privilegiada cuba do seu espaço singular. Invisível e dura é a alfândega que os separa. Na outra ponta, dessangrando lágrimas sem som, Laura permanece imóvel, o rosto esmagado contra o plaino do colchão, contando sem numerar os carimbos desbotados de um castelo de valises erguido junto à porta – Milão, Madrid, Chicago, Paris, destinos que lho roubaram para a lonjura de um passaporte itinerante. E ao percorrer com displicência o planisfério de cada um desses pequenos mundos paralelepípedos portáteis, trava-se a súbitas num sobressalto – o reconhecimento da inesperada familiaridade. Franze os olhos à porta