Painel Semântico II – A revalorização da mulher como ser individual e sexual: Um manifesto pró-feminista de inspiração junguiana (1/3): Contra o Patriarcado, por uma cultura Anima-friendly
Painel Semântico II – A revalorização da mulher como ser individual e sexual: Um manifesto pró-feminista de inspiração junguiana (1/3):
SONHAR COM LADRÕES é um projeto policoncetual que parte de uma combinação entre ensaio científico, escrita literária e ilustração por técnica de colagem, para contar a história ficcional de Laura, uma mulher pós-moderna confrontada com os desafios do seu próprio crescimento. Do ponto de vista concetual, a compreensão que quis subjacente ao construto de crescimento vem enformada pela intersecção de duas perspetivas distintas: uma psicológica, vazada no conceito de individuação conforme proposto por Carl Gustav Jung, o fundador da psicologia analítica; e uma outra, de cariz sócio-político e filosófico-ideológico, vazada nos esforços feministas de segunda vaga, valorizadores e celebratórios das qualidades e capacidades particulares das mulheres, com particular destaque para as questões da sexualidade.
A exposição tem por base a história do conto em prosa poética «Sonhar com Ladrões» exibido em 15 pranchas de texto (capítulos) a que se fazem corresponder 15 telas com as respetivas ilustrações, por técnica de colagem.
Seguem-se, em maior detalhe, as principais influências do projeto:
I – A revalorização da mulher como ser individual e sexual: Um manifesto pró-feminista de inspiração junguiana (1/3)
1. Contra o Patriarcado, por uma cultura Anima-friendly: Embora as revoluções burguesas europeias tenham conseguido, no século XIX, instituir a igualdade formal dos homens no nível das leis e da política, semelhante direito não foi estendido às mulheres. É justamente nesta altura que se registam os primeiros movimentos organizados por mulheres, reclamando a democratização dos direitos conquistados pela Revolução Francesa. Só durante as primeiras décadas do século XX, na sequência de três gerações de lutas do Movimento Sufragista, em Inglaterra e França é que o direito ao voto feminino se concretizou. Aquando da consolidação do capitalismo industrial, os sindicatos femininos começam o protesto contra a desvalorização da mão-de-obra feminina, que recebia metade da remuneração do equivalente masculino.
Nos anos 1960 levanta-se uma segunda onda feminista questionando a naturalização dos papéis sociais de género, e sustentando que o masculino e o feminino são criações culturais e não fatalidades biológicas inerentes ao sexo. A partir desta constatação as frente de luta não param de se multiplicar; certos grupos dentro do feminismo, por instantes, organizam-se a partir das suas experiências específicas, como é o caso das mulheres negras, das mulheres trans e das lésbicas. No número das suas principais bandeiras contam-se o fim da violência doméstica e da cultura do estupro, a descriminalização do aborto, a liberdade sexual, o fim da desigualdade salarial e o reconhecimento do trabalho doméstico como um trabalho não pago.
O século XX foi considerado o século da emancipação da mulher; contudo, segundo Teresa Joaquim, (1997), "constata-se que as responsabilidades domésticas ainda continuam a ser da responsabilidade da mulher, assim como a responsabilidade na educação e acompanhamento familiar de crianças e idosos. A sobrecarga de funções atribuídas de forma genderizada implica a ausência de tempo para as mulheres poderem investir na profissão, formação e satisfação pessoal, levando a que ocupem cargos, funções e responsabilidades menos reconhecidas socialmente…”.
Para Kate Millett, autora do Sexual Politics (1969), a família assume-se como o contexto onde o patriarcado – entendível como modo de opressão e dominação em que o poder masculino é exercido sobre as mulheres – exerce a sua força maior, através da atribuição de género.
Recuperando o tópico da vivência não-existencial decorrente do esvaziamento simbólico do ser, e aplicando-o ao caso específico das mulheres, tenho percebido em contexto clínico uma relação particular entre a dificuldade de afirmação pessoal e toda uma série de expectativas – sobre o que é ser e como se devem comportar as mulheres –, assentes no discurso masculinista que permeia as instituições da nossa sociedade predominantemente patriarcal.
Conforme Neto, “da mesma forma que as individualidades caminham para a integração dos conteúdos divergentes, também a humanidade, como somatório das individualidades que a compõem, caminha para a superação da sua tendência Animus e o crescimento do seu Anima. A cultura machista vai cedendo espaço à presença da mulher, que tanto cresce na absorção do que lhe falta de Animus, como influencia o todo com o que tem de Anima” (João Neto).
É na busca da superação de uma sociedade patriarcal machista que os feminismos surgem como movimento, objectivando quebrar com toda e qualquer ideia contrária à emancipação feminina e libertá-la dos diferentes grilhões que a condicionam.
Segundo a Plataforma Portuguesa para os Diretos das Mulheres, “Os feminismos são movimentos de inquietações, indignações, reflexões, partilhas de saberes e de seres, que lutam pela promoção dos direitos humanos das mulheres e pela igualdade nas mais diversas esferas das vidas. São diversos mas assentam numa matriz tridimensional comum – na reflexão sobre o sistema social que condiciona o livre movimento das mulheres nas várias esferas da vida; em tornar visíveis os factos ocorridos para que não se duvide que as experiências de vida desiguais das mulheres face aos homens, ainda que vividas no individual, são experiências coletivas; e na atuação sobre essas desigualdades, propondo medidas que promovam o empoderamento e a pro-ação das mulheres em prol da igualdade de oportunidades, de tratamento e de resultados”.
Em todas as suas diversas representações, o objetivo comum é o empoderamento da mulher e o fim do machismo como um todo, desde as esferas políticas até os meios de comunicação.
Embora alguns grilhões possam ser visíveis, outros não se fazem tão notórios – muitos destes poderão estar concentrados nas noções arquetípicas. Enquanto “[o] casamento, a família, a posição hierárquica, a divisão laboral, o estatuto económico, a culpa associada à sexualidade, a religião… remetem a mulher para uma posição de submissão, de procura de aprovação e de culpabilidade”, a internalização das projecções decorrentes de certos Arquétipos concentrados na ideologia patriarcal potenciam angústias emocionais, fazendo com que muitas mulheres se sintam culpadas psicologicamente pelo desejo de emancipação.
Millett recorda como certas crenças religiosas e obras de literatura mitológica reflectem as convicções patriarcais sobre a mulher enquanto “a outra”, criada pelo homem para atender às suas necessidades – é o caso da história de «Adão e Eva» e d’«A Caixa de Pandora». Espera-se, com efeito, que a mulher seja obediente, e que concentre em si características como a castidade, a pureza e a perfeição (mulher-Santa). Nesta sequência, “os sentimentos associados à sexualidade feminina são habitualmente impuros e pecaminosos” (Cecília da Costa); e se a mulher reclama o seu próprio direito ao desejo sexual é acusada de depravação, de vulgaridade e desprezada (mulher-Puta).
[Continua no próximo post]
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